Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que eu sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Alberto Caeiro
4 comentários:
Às vezes chego a pensar que nem alma tenho... Fernando Pessoa com tantas almas e outros com tão poucas :-p
Que texto mais lindo!
Amei.
Bjs
Também eu vou assistindo à minha passagem, às vezes alheio à paisagem, mas atento ao que eu sou e vejo!... às vezes não tenho calma, mas tenho alma para sentir o que escreves e sensibilidade para saber que tens muito para dar! Esta é a forma sublime de homenagear valores que andavam perdidos, Deus sabe porquê...
Força companheira!!!
Hecaloand
adoro Fernando Pessoa. Seja ele com que nome for.
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