Como nos comentários ao último post veio à baila "O Carteiro de Pablo Neruda", não resisti a trazer aqui um excerto do livro, com uma conversa entre Pablo Neruda e o Carteiro, sobre... metáforas, claro!
« -Bem, quando tu dizes que o céu está a chorar, o que é que queres dizer?
- Que fácil! Que está a chover, pois.
-Bem, isso é uma metáfora. [...]
-(... ) como eu gostava de ser poeta!
-Homem! No Chile todos são poetas. É mais original que continues a ser carteiro. [...]
-É que se fosse poeta poderia dizer o que quero.
-E o que é que queres dizer?
-Bem, esse é justamente o problema. Como não sou poeta, não sei dizê-lo. [...]
-Voltei a abrir, porque pensei que continuavas aqui.
-É que fiquei a pensar. [...]
-E para pensar ficas sentado? Se queres ser poeta, começa por pensar caminhando. [...] Agora vais até à calheta pela praia, e enquanto observas o movimento do mar vais fazendo metáforas.
-Dê-me um exemplo.
-Olha este poema: «Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo, a cada instante. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode estar quieto. Chamo-me mar, repete pegando numa pedra sem conseguir convencê-la. Então com sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beijando-a, humedece-a e bate no peito repetindo o seu nome.» - Fez uma pausa satisfeito. O que achas?
-Estranho.
-«Estranho». Que crítico severo és tu! [...]
-Como se pode explicar? Enquanto dizia o poema as palavras iam de cá para lá...
-Como o mar, claro! [...] Isso é o ritmo.
-E eu senti-me estranho, porque com tanto movimento enjoei.
-Enjoaste?
-Claro! Eu ia como um barco balançando nas suas palavras. [...]
-«Como um barco balançando nas minhas palavras.» [...] Sabes o que fizeste, Mario?
-O que foi?
-Uma metáfora. »
(Antonio Skármeta)
Este Carteiro é uma personagem deslumbrante, um misto de ingenuidade, de doçura, enfim, simplesmente encantador. O Pablo Neruda também está óptimo, bem como todo o filme.
Mais um para a galeria dos imperdíveis.
4 comentários:
Gostei!
As pessoas simples às vezes são as mais completas. Fazem poesia sem saber :) E metáforas, antíteses, hipérboles, etc...
Bom fim de semana
Cláudia, adorei o seu post, lindo trecho e quanta delicadeza nessas palavras. Como é lindo ser poeta e escritor. Como atinge nosso coração e o aquece com tanta ternura.
bjs
:') lindo.
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