sexta-feira, 6 de junho de 2008

Metáforas

Como nos comentários ao último post veio à baila "O Carteiro de Pablo Neruda", não resisti a trazer aqui um excerto do livro, com uma conversa entre Pablo Neruda e o Carteiro, sobre... metáforas, claro!



« -Bem, quando tu dizes que o céu está a chorar, o que é que queres dizer?

- Que fácil! Que está a chover, pois.

-Bem, isso é uma metáfora. [...]

-(... ) como eu gostava de ser poeta!

-Homem! No Chile todos são poetas. É mais original que continues a ser carteiro. [...]

-É que se fosse poeta poderia dizer o que quero.

-E o que é que queres dizer?

-Bem, esse é justamente o problema. Como não sou poeta, não sei dizê-lo. [...]

-Voltei a abrir, porque pensei que continuavas aqui.

-É que fiquei a pensar. [...]

-E para pensar ficas sentado? Se queres ser poeta, começa por pensar caminhando. [...] Agora vais até à calheta pela praia, e enquanto observas o movimento do mar vais fazendo metáforas.

-Dê-me um exemplo.

-Olha este poema: «Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo, a cada instante. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode estar quieto. Chamo-me mar, repete pegando numa pedra sem conseguir convencê-la. Então com sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beijando-a, humedece-a e bate no peito repetindo o seu nome.» - Fez uma pausa satisfeito. O que achas?

-Estranho.

-«Estranho». Que crítico severo és tu! [...]

-Como se pode explicar? Enquanto dizia o poema as palavras iam de cá para lá...

-Como o mar, claro! [...] Isso é o ritmo.

-E eu senti-me estranho, porque com tanto movimento enjoei.

-Enjoaste?

-Claro! Eu ia como um barco balançando nas suas palavras. [...]

-«Como um barco balançando nas minhas palavras.» [...] Sabes o que fizeste, Mario?

-O que foi?

-Uma metáfora. »

(Antonio Skármeta)



Este Carteiro é uma personagem deslumbrante, um misto de ingenuidade, de doçura, enfim, simplesmente encantador. O Pablo Neruda também está óptimo, bem como todo o filme.
Mais um para a galeria dos imperdíveis.

4 comentários:

claudia disse...

Gostei!

ameixa seca disse...

As pessoas simples às vezes são as mais completas. Fazem poesia sem saber :) E metáforas, antíteses, hipérboles, etc...
Bom fim de semana

Cláudia disse...

Cláudia, adorei o seu post, lindo trecho e quanta delicadeza nessas palavras. Como é lindo ser poeta e escritor. Como atinge nosso coração e o aquece com tanta ternura.

bjs

Anónimo disse...

:') lindo.