quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Despertar do Irão - parte II

O Despertar do Irão, Shirin Ebadi

Já todos sabemos que não é nada fácil ser mulher no Irão, que não é nada fácil ser criança, mas também não deve ser nada fácil ter filhAs e ver serem-lhes incutidos diariamente toda a espécie de valores, no mínimo, questionáveis. Não só deve ser difícil, como bastante duro.


«As minhas filhas estavam a crescer, ao ponto de, todos os dias, chegarem da escola com uma torrente de perguntas. Pum. Atiravam as mochilas para o chão no hall de entrada. Pum pum. Corriam pelo corredor fora, com os dedos pegajosos por causa de um petisco qualquer no caminho para casa. Viver na República Islâmica como mulher estava a tornar-se cada vez mais ardiloso, da mesma maneira que viver a maternidade da República Islâmica.

Mamã, é verdade que é errado eu aparecer à frente dos meus primos sem o véu? Mamã, é verdade que a América é a fonte de tudo o que é perigoso no mundo? Mamã, é verdade que Mossadegh* era um homem mau?

Tentar ensinar às minhas filhas valores progressistas e a vacuidade que estava detrás dos dogmas revolucionários que lhes eram ensinados na escola, ao mesmo tempo que me certificava de que elas aprendiam e, de qualquer modo, obedeciam superficialmente a todos os dogmas para que pudessem progredir no sistema educativo - tudo isto era um esforço de equilíbrio bastante precário. »

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*Mohammad Mossadegh foi primeiro-ministro no Irão, e lutou para que o país caminhasse no caminho da democracia e da tolerância. Desgraçadamente (embora previsivelmente) foi vítima de um golpe de estado. Mas isso fica para a "parte III". :)



Sempre firme! :)

Um dos campos em que Shirin Ebadi desempenhou um papel importantíssimo foi na defesa dos direitos das crianças. Segue um excerto que penso ser bem elucidativo de certos absurdos praticados no Irão, como o facto de as crianças, passada a 1ª infância, em caso de separação dos pais, serem sempre entregues ao pai, sejam quais forem as circunstâncias...

«Numa manhã do Verão de 1997, enquanto folheava um jornal no meu escritório, deparei-me com a história de uma criança espancada que, após ter sido sujeita a repetidas pancadas na cabeça, morrera num hospital local. A fotografia que acompanhava a notícia mostrava uma pequena menina curvada cujos magros membros estavam cobertos de queimaduras de cigarro. Era de tal maneira pesaroso olhar para aquela fotografia, que virei rapidamente a página e continuei a ler. A menina chamava-se Arian Golshani. Depois do divórcio dos pais, o tribunal atribuiu a guarda de Arian ao pai, um homem violento e com cadastro por fraude e dependência de estupefacientes. Segundo os vizinhos, o pai mantinha Arian encarcerada. A menina de nove anos pesava apenas cerca de dezasseis quilos, os braços tinham-lhe sido partidos várias vezes e engessados com moldes improvisados e, quando a professora chamou o pai para o questionar acerca das marcas de queimaduras de cigarro que ela tinha por todo o corpo, ela foi mantida em casa, longe da escola, durante meses. A mãe de Arian foi a tribunal e pediu a sua custódia – explicou as condições em que se encontrava a sua filha, explicou que o seu ex-marido era culpado de maus-tratos horrendos. Impassível, o tribunal recusou conceder-lhe a custódia. » (...)

Na sequência desde caso, a autora levou a cabo campanhas de divulgação e acções de protesto, com o intuito de que casos como este não se voltassem a repetir. Neste país, é "malhar em ferro frio", mas também "água mole em pedra dura"... ficar parados é que eles não podem.
«A Revolução Islâmica consagrara a família muçulmana como a peça fundamental da ideologia daquilo que deveria ser uma nação. Os revolucionários dirigiam a sua atenção para a mãe muçulmana, domesticada, confinada ao lar e preocupada com a sua prole em crescimento, logo, a chave para o restabelecimento dos valores tradicionais e autênticos. Contudo, não lhes parecia então de todo contraditório promulgar uma legislação para a família que, na eventualidade de divórcio, automaticamente arrancava as crianças das suas mães, ou que tornava a poligamia tão conveniente quanto uma espécie de garantia de recurso. A questão da guarda de crianças tinha tido um peso considerável ao longo dos anos na minha cabeça, já que a minha irmã mais velha mantivera durante muito tempo o seu casamento falhado por causa do medo de perder os filhos. Era uma questão que se enquadrava entre as leis e artigos mais destrutivos do sistema jurídico e o protesto público contra a lei da guarda de crianças aumentava de intensidade a cada ano que passava. » (…)


Interessante: Autobiografia de Shirin Ebadi, (em inglês) no site oficial do Prémio Nobel




2 comentários:

Ivani disse...

Olá Claudia, tenho apenas uma certa noção do sofrimento dessas mulheres.
Pergunto-me como seria ver tirar-lhe os filhos, perder a casa, a dignidade, praticamente a vida.
Pobres crianças, sendo criadas por pais imbecis, brutamontes, machistas e ignorantes.
Meu Deus, como pode haver tamanha crueldade com as mulheres?
Será que isso um dia terá fim?
Pense bem, continuar vivendo com um homem, saber que ele tem outras mulheres, só para não perder os filhos. É muita maldade.
Espero que voce continue nos mostrando o livro, porque estou adorando, apesar de ficar bem revoltada.
Talvez compre um exemplar por aqui, assim poderei ler na íntegra.
Obrigada pela visita lá no samambaia, é um assunto que dá para discutir bastante em?
Beijos querida, tenha um lindo fim de semana. Por aqui, domingo, dia das mães.

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Claudia,
É triste pensar que esses absurdos acontecem nos nossos dias.
Pobres mulheres. Pobres crianças.
Beijos.