terça-feira, 24 de março de 2009

Vidas interrompidas



Apenas tomei conhecimento da história de Jade Goody há poucas semanas atrás. Confesso que a minha primeira reacção, ao saber que ela tinha vendido à imprensa os direitos de transmissão das suas últimas semanas de vida, foi de choque. Achei que ela era, no mínimo, louca.

Mas resolvi tentar perceber melhor o que se estava a passar, tentando saber mais detalhes do percurso de Jade, e o que a teria levado a agir assim.

Houve vários factos nesta história que me chocaram.

No início, fiquei até um bocado revoltada ao pensar que todos os dias morrem pessoas com cancro, inclusive, desgraçadamente, crianças e pessoas muito jovens, e não se faz nenhum alarido à volta disso, nem isso parece infelizmente perturbar grandemente alguns (muitos) médicos que insistem em não privilegiar a prevenção.
Mas quando se é uma "estrela" do mundo televisivo, a coisa muda de figura...

Devo dizer que o que mais me perturbou, antes de tudo, foi a idade dela. E não só pelo facto de ser jovem, mas por ter relacionado imediatamente o caso com uma pessoa da minha família.

A minha prima E. tinha apenas 28 anos quando morreu com cancro. Tinha uma filha com 4 anos. Soube que estava doente no início de Maio, em vésperas do dia da Mãe, há sete anos atrás.
A médica disse-lhe, cruamente: aproveite bem o Dia da Mãe, porque pode ser o último.
Assim, a frio. Isto é a pura das verdades, não pensem que estou a exagerar.

Horrivelmente fria, mas verdadeira. Passados nove meses, os prognósticos pessimistas dos médicos confirmavam-se.

Era uma daquelas formas de cancro que se desenvolve muito rapidamente, e para a qual ainda não descobriram nenhum tratamento eficaz. Não era em nenhum órgão em concreto, era um sarcoma, que atinge músculos ou tecidos moles perto de órgãos. Ainda passou por toda aquela saga da quimioterapia, chegou a diminuir o tamanho do tumor, mas rapidamente voltou a desenvolver-se. Além disso, foi avisada que mesmo que curasse aquele, provavelmente iria aparecer-lhe noutro local.

Custa-me imaginar o que sentirá uma pessoa com 27 anos ao ouvir estas palavras. Penso que ninguém que não tenha passado por isso conseguirá imaginar.

A E. completou 28 anos em Setembro, e deixou-nos em Janeiro do ano seguinte.

Não vou entrar aqui em mais pormenores, obviamente, mas podem imaginar o sofrimento de toda a família, especialmente a mãe, o pai (os pais não deviam ver os filhos partir...), o irmão, mas muito especialmente a filha. E que tipo de explicações se podem dar a uma criança de 4 anos sobre o desaparecimento da sua mãe? Não me ocorre nenhuma que faça sentido. Nada disto faz sentido para mim, até hoje. São situações que pura e simplesmente não deviam acontecer.

Mas acontecem. Todos os dias. Situações que derrubam muitas famílias. Só que não atingem a opinião pública, a não ser que se trate de figuras mediáticas. Neste caso, é preciso aproveitar esse mediatismo para alertar as pessoas no sentido da prevenção. Isso irá evitar que outras pessoas passem pelo mesmo.

Voltando à Jade, depois de conhecer um pouco mais a sua história, acho que ela fez bem. Já nada tinha a perder, e assim assegurou um futuro bem melhor para os filhos, já que nada mais poderá fazer por eles.

Apesar de ela ter sido uma pessoa cujo comportamento (e até inteligência, ao que parece) em várias situações deixou muito a desejar, agora já não me choca a atitude dela.

Choca-me sim que haja pessoas (fora da sua família) que tenham passado o seu tempo a ver a agonia de Jade. Isso sim é que não compreendo. Mas uma vez que lhe pagaram para disponibilizar ao público essa estranha forma de entretenimento, e que esse dinheiro pode servir para garantir um futuro melhor àquelas crianças, não vejo agora que ela tenha procedido tão mal nesse aspecto. Sinceramente, embora com alguma relutância, consigo imaginar-me a fazer o mesmo, sendo esse o objectivo.

Infelizmente foi preciso este exemplo para que centenas de jovens mulheres tenham ido fazer rastreios que deviam fazer normalmente. Mas enquanto tivermos médicos que dizem aos seus pacientes que eles ainda são muito novos para terem esta ou aquela doença, as coisas não se resolvem.
Enfim, se o mediatismo de Jade contribuiu para salvar algumas vidas e para proporcionar um futuro melhor aos filhos, talvez isso já seja uma razoável justificação para toda a atenção que este caso mereceu.

12 comentários:

Anónimo disse...

Jade Goody partiu mas deixou para todos a melhor mensagem - AMOR -
Não haverá nenhum filme, nenhum teatro, nenhum documentário, palestra, revista, livro, que tenha o efeito que a atitude dela nos transmitiu.
Certamente que chocou a sua autenticidade mas a sua "provocação" será sem dúvida a mensagem mais eficaz à prevençâo,à luta mesmo que não se obtenha os resultados esperados,mas lutar sempre mesmo nos momentos mais difíceis, tentando viver um dia de cada vez mas com intensidade e continuando a distibuir o seu amor mesmo nos momentos mais críticos.
Como guerreira na luta de Cancro da Mama, Jade Goody foi, é e será para mim um exemplo de coragem e determinação.
Que descanse em paz.

Beijinho para si, sublinhando que gostei de ver este gesto tão nobre de colocar um comentário acerca da Jade. Também acredito que ela lhe ficará eternamente grata.

R.M.

Claudia Lima disse...

Eu não conheço esta atriz, não ouvi falar do caso.
Morrer tão jovem parece muito triste, mas acredito que tudo deva ter uma razão mais forte para acontecer do jeito que acontece.
Eu já passei vivi esta situação de "talvez" estar com cancer e tive que aguardar 6 meses para saber ao certo a resposta.
Eu não tinha, mas teria querido saber com certeza, pois mais duro que possa ser. Prefiro qq verdade dura do que uma suave mentira, mas ai cada um sabe o que é melhor para si.
Bjs :)

ameixa seca disse...

Não sei se fez bem ou mal, mas foi a decisão que ela tomou e a vida e morte eram só dela. Eu tenho a mesma idade e a cada dia que passa vejo as pessoas mais novas a morrerem e os mais velhos a ficarem. A ordem natural das coisas está completamente trocada...

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Cláudia,
Esses casos que têm muita repercussão realmente servem para chamar a atenção para o problema, tanto das pessoas que não costumam fazer exames preventivos, como das autoridades que não colocam os exames à disposição do povo.
Como você, eu também não entendo como é que existe público para assistir os momentos finais de alguém.
Beijos

Lina Querubim disse...

Olá Claúdia boa noite
amanhã tenho consulta ms continuo a aguardar o nosso encontro:) beijokas

Isabel disse...

Este caso realmente mexe com as pessoas, por várias razões. Eu cada vez mais detesto o conceito de reality show. Jade ficou a saber em directo na televisão que tinha cancro, a apartir daí não haveria forma de preservar a sua privacidade. Ela já se tinha exposto demais. Toda esta exposição teria que ter um lado positivo por isso a mim também não me choca a atitude dela. Deu a conhecer às mulheres a necessidade de fazerem rastreios não interessa a idade que tenham.
Mas realmente não consigo compreender que se queira assistir ao fim de uma pessoa em directo na televisão.
Em relação a E. que esteja em paz, onde quer que esteja.
Bjs

Cláudia Marques disse...

R.M., obrigada pelo seu comentário. De facto, a Jade acabou por conseguir deixar uma mensagem positiva.
Penso é que ela não teve cancro da mama. Ultimamente falou-se apenas do colo do útero, apesar de o primeiro a ter-lhe sido detectado ter sido na coluna cervical.

Cláudia, ela não era actriz (ou melhor, era uma actriz na vida real, já que a sua vida se tornou um filme...). Ela foi concorrente do Big Brother, e depois da fama publicou um livro, lançou um perfume, etc.
Ainda bem que no seu caso não se confirmou, mas tb acho que é preferível saber logo a verdade, só que há maneiras e maneiras de a dizer.

Ameixa, é mesmo. Nunca se viram tantos casos de cancro como agora, e cada vez em pessoas mais novas. E a culpa é do ser humano, que encheu o planeta de substâncias nocivas: passamos o dia a inalar e a consumir toxinas. Felizmente aí ainda tens bons ares...

Heloísa, essa é a parte que me faz mais confusão. No dia em que ela morreu, passaram um monte de imagens e digo-lhe, eu já não conseguia ver nada daquilo. São situações íntimas, e embora ela tenha decidido torná-las públicas, faz-me muita confusão.

Linaaa, olá. Não está esquecido, pelo contrário! Já te vou mandar um e-mail!! Até já. Boa consulta.

Maninha, como sabes, tb é o tipo de programa que não me seduz nada. Lembro-me de dar uma espreitadela ao BB "no tempo do Zé Maria", pela novidade, mas o interesse rapidamente se esgota. O que é que aquilo ensina a alguém? Só se for a degradação do ser humano.

Queria acrescentar um voto de força e coragem às pessoas (guerreiras) que estão a lutar com esta e outras doenças, já que me esqueci de o fazer no post. Felizmente existe cura para muitos casos de cancro, e é essencial que sejam detectados a tempo.

Beijinhos

Tina disse...

Se a exposição da sua vida foi por amor aos filhos...para os deixar melhor?! Um mal menor...
Faço uso das palavras finais da Claudia:"voto de força e coragem às pessoas (guerreiras) que estão a lutar com esta e outras doenças"
Bjinhos

Claudia disse...

Menina,

Ela já morreu então? Ela ficou famosa até aqui e eu que não leio nada sobre BB li e fiquei sabendo que ela estava doente e tinha dois filhinhos mas não vi mais nada.

Eu não recrimino ninguém por suas escolhas, cada um sabe onde lhe dói os calos. Conhece este ditado?

Bj,

C.

Anónimo disse...

De R.M.

*****

Kláudinha disse...

sabes amiga?
estas histórias cada vez mais me assustam e fazem chorar.. não somos nada aqui neste mundo... somos tao pekeninos e impotentes.... mas verdadeiros herois para enfrentar coisas tao dificeis.... parabens a todos que conseguem enfrentar esta doença dificil, encará-la de frente, tentar combatê-la até ao fim... porque alguns conseguem de facto vencê-la... e ter coragem de preparar a partida... pensar nos que cá ficam.... alertar o mundo inteiro para uma causa...
se todo o dinheiro gasto em investigação de guerra fosse aplicado nesta luta... talvez já houvesse uma cura...

:(

Anónimo disse...

Anónima ou figura pública não está em questão, para mim foi mais uma Guerreira na luta contra a doença que a atingiu. Uma heroína!
Expôs a sua luta publicamente com toda a verdade e fê-lo na 1ª pessoa chocando ou não foi real!
De coragem extrema!
Deixou ainda em vida a Mensagem de Luta!
Depois de partir muitos poderiam escrever livros, fazer filmes, falar sobre ela mas nunca seria relatado com a intensidade e a verdade como ela própria o fez.
Não me diz nada quando escrevem em nome dos que já partiram, fico sempre com a dúvida se seria exactamente o que pensavam, o que sentiam, o que gostaram, o que gostariam de ter feito, a forma como encararam a doença. Ela não, ela deixou em vida a sua própria mensagem e também o que queria para o momento da despedida. Se ganhou dinheiro foi por amor a seus filhos!
Consciente de que o fim se aproximava descobriu que poderia partir com mais serenidade com a sua atitude.
Paz à sua alma.

R.M.

R.M.