segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Caravelas




Cheguei a meio da vida já cansada 
De tanto caminhar! Já me perdi! 
Dum estranho país que nunca vi 
Sou neste mundo imenso a exilada.  

Tanto tenho aprendido e não sei nada. 
E as torres de marfim que construí 
Em trágica loucura as destruí 
Por minhas próprias mãos de malfadada! 

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto, 
Mar sem marés, sem vagas e sem porto 
Onde velas de sonhos se rasgaram. 

Caravelas doiradas a bailar... 
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar! 
As que eu lancei à vida, e não voltaram!... 

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020


Perdi meus fantásticos castelos 
Como névoa distante que se esfuma... 
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: 
Quebrei as minhas lanças uma a uma! 
 Perdi minhas galeras entre os gelos 
Que se afundaram sobre um mar de bruma... 
Tantos escolhos! Quem podia vê-los? - 
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! 
Perdi a minha taça, o meu anel, 
A minha cota de aço, o meu corcel, 
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias... 
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... 
Sobre o meu coração pesam montanhas... 
Olho assombrada as minhas mãos vazias... 

 Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"