Apenas tomei conhecimento da história de Jade Goody há poucas semanas atrás. Confesso que a minha primeira reacção, ao saber que ela tinha vendido à imprensa os direitos de transmissão das suas últimas semanas de vida, foi de choque. Achei que ela era, no mínimo, louca.
Mas resolvi tentar perceber melhor o que se estava a passar, tentando saber mais detalhes do percurso de Jade, e o que a teria levado a agir assim.
Houve vários factos nesta história que me chocaram.
No início, fiquei até um bocado revoltada ao pensar que todos os dias morrem pessoas com cancro, inclusive, desgraçadamente, crianças e pessoas muito jovens, e não se faz nenhum alarido à volta disso, nem isso parece infelizmente perturbar grandemente alguns (muitos) médicos que insistem em não privilegiar a prevenção.
Mas quando se é uma "estrela" do mundo televisivo, a coisa muda de figura...
Devo dizer que o que mais me perturbou, antes de tudo, foi a idade dela. E não só pelo facto de ser jovem, mas por ter relacionado imediatamente o caso com uma pessoa da minha família.
A minha prima E. tinha apenas 28 anos quando morreu com cancro. Tinha uma filha com 4 anos. Soube que estava doente no início de Maio, em vésperas do dia da Mãe, há sete anos atrás.
A médica disse-lhe, cruamente: aproveite bem o Dia da Mãe, porque pode ser o último.
Assim, a frio. Isto é a pura das verdades, não pensem que estou a exagerar.
Horrivelmente fria, mas verdadeira. Passados nove meses, os prognósticos pessimistas dos médicos confirmavam-se.
Era uma daquelas formas de cancro que se desenvolve muito rapidamente, e para a qual ainda não descobriram nenhum tratamento eficaz. Não era em nenhum órgão em concreto, era um sarcoma, que atinge músculos ou tecidos moles perto de órgãos. Ainda passou por toda aquela saga da quimioterapia, chegou a diminuir o tamanho do tumor, mas rapidamente voltou a desenvolver-se. Além disso, foi avisada que mesmo que curasse aquele, provavelmente iria aparecer-lhe noutro local.
Custa-me imaginar o que sentirá uma pessoa com 27 anos ao ouvir estas palavras. Penso que ninguém que não tenha passado por isso conseguirá imaginar.
A E. completou 28 anos em Setembro, e deixou-nos em Janeiro do ano seguinte.
Não vou entrar aqui em mais pormenores, obviamente, mas podem imaginar o sofrimento de toda a família, especialmente a mãe, o pai (os pais não deviam ver os filhos partir...), o irmão, mas muito especialmente a filha. E que tipo de explicações se podem dar a uma criança de 4 anos sobre o desaparecimento da sua mãe? Não me ocorre nenhuma que faça sentido. Nada disto faz sentido para mim, até hoje. São situações que pura e simplesmente não deviam acontecer.
Mas acontecem. Todos os dias. Situações que derrubam muitas famílias. Só que não atingem a opinião pública, a não ser que se trate de figuras mediáticas. Neste caso, é preciso aproveitar esse mediatismo para alertar as pessoas no sentido da prevenção. Isso irá evitar que outras pessoas passem pelo mesmo.
Voltando à Jade, depois de conhecer um pouco mais a sua história, acho que ela fez bem. Já nada tinha a perder, e assim assegurou um futuro bem melhor para os filhos, já que nada mais poderá fazer por eles.
Apesar de ela ter sido uma pessoa cujo comportamento (e até inteligência, ao que parece) em várias situações deixou muito a desejar, agora já não me choca a atitude dela.
Choca-me sim que haja pessoas (fora da sua família) que tenham passado o seu tempo a ver a agonia de Jade. Isso sim é que não compreendo. Mas uma vez que lhe pagaram para disponibilizar ao público essa estranha forma de entretenimento, e que esse dinheiro pode servir para garantir um futuro melhor àquelas crianças, não vejo agora que ela tenha procedido tão mal nesse aspecto. Sinceramente, embora com alguma relutância, consigo imaginar-me a fazer o mesmo, sendo esse o objectivo.
Infelizmente foi preciso este exemplo para que centenas de jovens mulheres tenham ido fazer rastreios que deviam fazer normalmente. Mas enquanto tivermos médicos que dizem aos seus pacientes que eles ainda são muito novos para terem esta ou aquela doença, as coisas não se resolvem.
Enfim, se o mediatismo de Jade contribuiu para salvar algumas vidas e para proporcionar um futuro melhor aos filhos, talvez isso já seja uma razoável justificação para toda a atenção que este caso mereceu.