Depois de todas as arbitrariedades, dislates e, por que não dizê-lo, borradas, com que este governo nos tem brindado, eis que acaba de resolver-se pela extinção do feriado do 1º de Dezembro, comemorativo da Restauração da Independência*. Parece-me, entre outras coisas, um péssimo sinal dos tempos, um grande atentado à nossa identidade nacional, a um dos nossos orgulhos enquanto Povo. Bem sei que há por aí muito boa gente que não se importaria nada que Castela tivesse continuado a dominar-nos, mas eu não pertenço a esse partido. Até porque afinal a Espanha está em vias de também se ver nas mãos dos abutres, eufemisticamente chamados de troika... Quanto à teoria de que este é um feriado apenas comemorado por monárquicos, isso revela tanta ignorância que nem merece comentários.
1 de Dezembro de 1640
«Dá-se o nome de Restauração ao regresso de Portugal à sua completa independência em relação a Castela em 1640, depois de sessenta anos de regime de monarquia dualista (1580-1640) em que as coroas dos dois países couberam ambas a Filipe II, Filipe III e Filipe IV de Castela.
(…) A má administração do governo espanhol constituía uma grande causa de insatisfação dos Portugueses em relação à união com Castela. Dessa má administração provinha o agravamento dos impostos. (…)
A 6-VII-1628 era expedida a carta régia que (...) mandava levantar, por meio de empréstimo forçado, as quantias necessárias para a defesa, durante seis anos, de todos os lugares dos nossos domínios ameaçados pelos estrangeiros. A população mostrou logo a sua má vontade. (…) A tensão agravou-se quando o clero (cujos privilégios o isentavam de tais imposições) se viu também incluído na colecta geral. (…) Também no Ultramar surgiram protestos. (…) Em 1635 era estendido a todo o reino o imposto do «real de água», bem como o aumento do das sisas.
(…) É de notar, todavia, que aos incitamentos internos se acrescentava um exterior, provindo da França, (…) então em luta com a Espanha, [que] se empenhava em impelir Portugal e a Catalunha contra o governo de Madrid. (…)
(...) uma outra resolução que descontentou a nossa gente (...) convocou a Madrid grande número de fidalgos, e ordenou levas de tropas para servir nas guerras que a monarquia espanhola sustentava, sangrando assim Portugal das suas maiores forças. (…)
O que veio dar mais impulso à ideia da independência foram as novas exigências do conde-duque. Em Junho de 1640, com efeito, insurgia-se a Catalunha, e Olivares pensou em mandar portugueses a combater os catalães revoltados, ao mesmo tempo que se anunciavam novos impostos. (…) Aderiram à conjura o juiz do povo, os Vinte e Quatro dos mesteres e vários eclesiásticos, entre os quais o arcebispo de Lisboa, D. Rodrigo da Cunha. Deram também a sua colaboração o doutor Estêvão da Cunha, deputado do Santo Ofício, e D. António Telo. Em Outubro realizou-se uma reunião conspiratória no jardim do palácio de D. Antão de Almada, a S. Domingos, em Lisboa. Assistiram, além dele, D. Miguel de Almeida, Francisco de Melo, Jorge de Melo, Pêro de Mendonça e João Pinto Ribeiro. (…)
Teve também influxo na resolução a mulher do futuro Monarca, D. Luísa de Gusmão. (…)
Chegado a Lisboa a 21-XI-1640, João Pinto Ribeiro convocou os conspiradores para uma reunião num palácio que o duque tinha em Lisboa e onde ele, João Pinto, residia. Decidiu-se estudar em pormenor o plano do levantamento, amiudando-se as reuniões.
Por fim, marcou-se o momento de sublevação: 9 horas da manhã de sábado, 1.º de Dezembro.
Na noite de 28 para 29 surgiram complicações, por haver quem julgasse que eram poucos os conjurados; mas João Pinto Ribeiro, a quem quiseram encarregar de transmitir ao duque o intuito de se adiar, opôs-se tenazmente a tal ideia, numa discussão que se prolongou até as 3 horas da manhã. (…)
O dia 1.º de Dezembro amanheceu de atmosfera clara e muito serena. Tinham-se os conjurados confessado e comungado, e alguns deles fizeram testamento. Antes das 9 horas foram convergindo para o Terreiro do Paço os fidalgos e os populares que o padre Nicolau da Maia aliciara.
Soadas as nove horas, dirigiram-se os fidalgos para a escadaria e subiram por ela a toda a pressa. Um grupo especial, composto por Jorge de Melo, Estêvão da Cunha, António de Melo, padre Nicolau da Maia e alguns populares, tinha por objectivo assaltar o forte contíguo ao palácio e dominar a guarnição castelhana, apenas os que deveriam investir no paço iniciassem o seu ataque. Estes rapidamente venceram a resistência dos alabardeiros que acudiram ao perigo e D. Miguel de Almeida assomou a uma varanda de onde falou ao povo.
Estava restaurada a independência…»
Monumento aos Restauradores, inaugurado em 1886 |
Depois de todas as arbitrariedades, dislates e, por que não dizê-lo, borradas, com que este governo nos tem brindado, eis que acaba de resolver-se pela extinção do feriado do 1º de Dezembro, comemorativo da Restauração da Independência*. Parece-me, entre outras coisas, um péssimo sinal dos tempos, um grande atentado à nossa identidade nacional, a um dos nossos orgulhos enquanto Povo. Bem sei que há por aí muito boa gente que não se importaria nada que Castela tivesse continuado a dominar-nos, mas eu não pertenço a esse partido. Até porque afinal a Espanha está em vias de também se ver nas mãos dos abutres, eufemisticamente chamados de troika... Quanto à teoria de que este é um feriado apenas comemorado por monárquicos, isso revela tanta ignorância que nem merece comentários.
Alegoria da Lusitânia |
1 de Dezembro de 1640
«Dá-se o nome de Restauração ao regresso de Portugal à sua completa independência em relação a Castela em 1640, depois de sessenta anos de regime de monarquia dualista (1580-1640) em que as coroas dos dois países couberam ambas a Filipe II, Filipe III e Filipe IV de Castela.
(…) A má administração do governo espanhol constituía uma grande causa de insatisfação dos Portugueses em relação à união com Castela. Dessa má administração provinha o agravamento dos impostos. (…)
A 6-VII-1628 era expedida a carta régia que (...) mandava levantar, por meio de empréstimo forçado, as quantias necessárias para a defesa, durante seis anos, de todos os lugares dos nossos domínios ameaçados pelos estrangeiros. A população mostrou logo a sua má vontade. (…) A tensão agravou-se quando o clero (cujos privilégios o isentavam de tais imposições) se viu também incluído na colecta geral. (…) Também no Ultramar surgiram protestos. (…) Em 1635 era estendido a todo o reino o imposto do «real de água», bem como o aumento do das sisas.
(…) É de notar, todavia, que aos incitamentos internos se acrescentava um exterior, provindo da França, (…) então em luta com a Espanha, [que] se empenhava em impelir Portugal e a Catalunha contra o governo de Madrid. (…)
(...) uma outra resolução que descontentou a nossa gente (...) convocou a Madrid grande número de fidalgos, e ordenou levas de tropas para servir nas guerras que a monarquia espanhola sustentava, sangrando assim Portugal das suas maiores forças. (…)
O que veio dar mais impulso à ideia da independência foram as novas exigências do conde-duque. Em Junho de 1640, com efeito, insurgia-se a Catalunha, e Olivares pensou em mandar portugueses a combater os catalães revoltados, ao mesmo tempo que se anunciavam novos impostos. (…) Aderiram à conjura o juiz do povo, os Vinte e Quatro dos mesteres e vários eclesiásticos, entre os quais o arcebispo de Lisboa, D. Rodrigo da Cunha. Deram também a sua colaboração o doutor Estêvão da Cunha, deputado do Santo Ofício, e D. António Telo. Em Outubro realizou-se uma reunião conspiratória no jardim do palácio de D. Antão de Almada, a S. Domingos, em Lisboa. Assistiram, além dele, D. Miguel de Almeida, Francisco de Melo, Jorge de Melo, Pêro de Mendonça e João Pinto Ribeiro. (…)
Teve também influxo na resolução a mulher do futuro Monarca, D. Luísa de Gusmão. (…)
Chegado a Lisboa a 21-XI-1640, João Pinto Ribeiro convocou os conspiradores para uma reunião num palácio que o duque tinha em Lisboa e onde ele, João Pinto, residia. Decidiu-se estudar em pormenor o plano do levantamento, amiudando-se as reuniões.
Por fim, marcou-se o momento de sublevação: 9 horas da manhã de sábado, 1.º de Dezembro.
Na noite de 28 para 29 surgiram complicações, por haver quem julgasse que eram poucos os conjurados; mas João Pinto Ribeiro, a quem quiseram encarregar de transmitir ao duque o intuito de se adiar, opôs-se tenazmente a tal ideia, numa discussão que se prolongou até as 3 horas da manhã. (…)
D. João IV |
O dia 1.º de Dezembro amanheceu de atmosfera clara e muito serena. Tinham-se os conjurados confessado e comungado, e alguns deles fizeram testamento. Antes das 9 horas foram convergindo para o Terreiro do Paço os fidalgos e os populares que o padre Nicolau da Maia aliciara.
Soadas as nove horas, dirigiram-se os fidalgos para a escadaria e subiram por ela a toda a pressa. Um grupo especial, composto por Jorge de Melo, Estêvão da Cunha, António de Melo, padre Nicolau da Maia e alguns populares, tinha por objectivo assaltar o forte contíguo ao palácio e dominar a guarnição castelhana, apenas os que deveriam investir no paço iniciassem o seu ataque. Estes rapidamente venceram a resistência dos alabardeiros que acudiram ao perigo e D. Miguel de Almeida assomou a uma varanda de onde falou ao povo.
Estava restaurada a independência…»
E agora pergunto eu: tudo isto não será motivo mais do que suficiente para comemorar, para se manter este dia como feriado nacional? A resposta parece-me tão óbvia...
Bibliografia: In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Limitada, Vol. 25, Lisboa/Rio de Janeiro, 1978, pp. 317-319.
© 2005 | Hemeroteca Municipal de Lisboa
P.S. - Opinião pessoal sobre o nosso Primeiro: é uma pessoa muito inteligente, mas a sua atitude perante a troika é a de um discípulo subserviente e bajulador.
* Obviamente que a abolição deste e de outros feriados a partir de 2012 não é uma das medidas mais graves tomadas pelo executivo, mas foi esta que veio hoje à baila. Outras virão, a seu tempo. Sim, porque se considero esta grave, outras há que, para elas, nem encontro adjectivos capazes de as qualificar.
5 comentários:
nossa! quanta informacao junta!
como nao sou portuguesa adorei conhecer esses detalhes e saber que voce sabe tudo isso!
voce é bastante interessada pela historia de seu pais, aliás linda!
respeito tudo o que escreveu e sou totalmente ignorante nesse assunto, pois nao discutirei com voce que tanto sabe.
Foi muito bom te ler.
beijos, até um dia...
Claudinha,
não será um contra-senso, comemorar a independência quando estamos tão dependentes da Europa?
Se calhar é isso que o governo português quer-nos dizer indirectamente, ao abolir o feriado nacional :)
Cadê a nossa independência realmente? Estamos tão ao mais sob o dominio alheio como outrora já estivemos. Só que desta vez é perda de nacionalidade disfarçada.
Beijinhos.
Rute
P.s.-Olha, em principio vou pedir-te que envies o livro para uma morada. Já tenho uma pessoa interessada em lê-lo. Já acabaste, não já?
Ivani, eu não sei assim tanta coisa, não. :) É verdade que eu sou fascinada pela História, de Portugal e do Mundo, mas essa informação toda é citada, quem me dera ser assim tão sábia. :)
Bjs
Rute, vou enviar-te mail sobre o livro.
Quanto ao resto, só sei que tudo isto é muito triste, para um país que já viveu tantas glórias. :)
Bjs
Cláudia, nós vivemos com os mandos e desmandos daqueles que escolhemos pra nos representar, nos cuidar.
Quando colocam uma coisa na cabeça, nem querem saber se agradará ao povo ou não. Espero que consigam manter o feriado, já que se orgulham do acontecimento da data.
Desejo a você e sua família um Feliz Natal e que 2012 seja com muita saúde e paz.
Beijo da amiga que a admira muito.
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