segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ressonâncias poéticas da BCFV


No rescaldo da BCFV, eis que me foi sugerido pela Rute fazer a ligação entre cada uma das fases da vida e um poema. E que bela sugestão!! Sinceramente, adorei a ideia. Noutros tempos, até que talvez me ocorresse algo semelhante, uma vez que gosto imenso de poesia, e até usei alguns poemas durante as postagens desta blogagem colectiva. Mas na época presente, a cabeça está esgotada, nada de ideias criativas, muito menos brilhantes. :) Felizmente que há pessoas com as cabecinhas vibrantes de ideias, para nos darem estas magníficas sugestões. :)
Cá ficam então as minhas ressonâncias, ou melhor, as ressonâncias do tema fases da vida, pela voz de quem as cantou ou reflectiu sobre elas.
(Em algumas das fases optei por juntar poesia e prosa, de modo a fornecer mais do que uma perspectiva).


1ª fase - NASCIMENTO

Eternidade
Vens a mim
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.

Nasceste agora mesmo. Vem comigo.

Jorge de Sena, in 'Perseguição'





2ª fase - INFÂNCIA

Pequenina
És pequenina e ris ... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa ...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te faz tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente ...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente ...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"


"É preciso ser-se muito infeliz para se ser infeliz durante a infância. É preciso que haja uma infelicidade com dor. Desde que uma criança vá tendo algo para comer e um espaço para brincar não sente a miséria."
Autor - Millôr  Fernandes
Fonte: Tabu (Sol) / 2007


3ª fase - ADOLESCÊNCIA
(Aqui apenas prosa, por não ter encontrado nenhum poema que considerasse significativo). 


"Jovens e nus frente ao mar, estão presentes em cada célula do seu corpo. Mas a vida que têm é demais para eles e não sabem que fazer dela. Emergem da água rutilantes e riem. Depois deitam-se na areia, gastam o dia e a noite a amar-se, a embebedar-se, a estoirar todo o prazer e forças que têm. E ficam ainda com vida por gastar. É desses sobejos já com bolor que terão de viver depois na velhice."  
Fonte - Escrever  
Autor - Vergílio Ferreira


4ª fase - JUVENTUDE

Mocidade
A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa.
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho dum diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa,
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto nos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
O meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno... e a vida, água a fugir...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"




5ª FASE - MATURIDADE

A Mocidade Propõe, a Maturidade Dispõe  
É função da mocidade ser profundamente sensível às novas ideias como instrumentos rápidos para dominar o meio; e é função da idade madura opor-se tenazmente a essas ideias ; isso faz com que as inovações fiquem em experiência por algum tempo antes que a sociedade as ponha em prática. A maturidade atenua as ideias novas, redu-las de modo a caberem dentro da possibilidade ou a que só se realizem em parte. A mocidade propõe, a maturidade dispõe, a velhice opõe-se. A mocidade domina nos períodos revolucionários; a maturidade, nos períodos de reconstrução; a velhice, nos períodos de estagnação. «Dá-se com os homens», diz Nietzsche, «o mesmo que com as carvoarias na floresta. Só depois que a mocidade se carboniza é que se torna utilizável. Enquanto está a arder será muito interessante, mas incómoda e inútil.»
Will Durant, in 'Filosofia da Vida'

 

Essas Coisas 
«Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas.»

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram fora de hora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade de sofrer
é porque estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?

Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'



6ª FASE -  MELHOR IDADE? - VELHICE

(Nesta fase ponho vários textos, porque quis mostrar diferentes pontos de vista. Não me quis ficar pela negatividade tantas vezes associada a esta etapa, mas também tenho que confessar que, por vários motivos e pelo que vejo à minha volta, não a posso considerar a Melhor Idade, embora lhe veja muitas vantagens.)
 
A Velhice Pede Desculpas
Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.
Cecília Meireles, in 'Poemas (1958)'


"A velhice anuncia ao homem o seu destino: o homem insensato, que afinal todos somos mais ou ou menos, tende a recusá-lo, maquilhando-a, disfarçando-a enquanto pode e depois encerrando-a longe da vista e do coração. O reverso da medalha é o culto da juventude. Televisões, rádio, publicidade, lazer, estão cada vez mais virados para os jovens e adolescentes. Mas sob o lema "o futuro pertence aos jovens" está normalmente mais uma aposta comercial do que uma verdadeira preocupação social. Num mundo em que a aparência é tudo, as rugas não têm direito à vida."  
Fonte - Público / 2003.09.05
Esther Mucznik

A Sabedoria da Velhice  
Aquele que envelhece e que segue atentamente esse processo poderá observar como, apesar de as forças falharem e as potencialidades deixarem de ser as que eram, a vida pode, até bastante tarde, ano após ano e até ao fim, ainda ser capaz de aumentar e multiplicar a interminável rede das suas relações e interdependências e como, desde que a memória se mantenha desperta, nada daquilo que é transitório e já se passou se perde.

Hermann Hesse, in 'Elogio da Velhice'


7ª fase - MORTE

(Aqui apenas uma visão, neste caso relacionada com Deus, que não fará sentido para todos, mas é uma visão, como poderia ser outra...)

Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Antero de Quental, in "Sonetos"



 8ª fase - VIDA PARA ALÉM...

Os Anos são Degraus

Os anos são degraus, a Vida a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.

São vários os degraus; alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais.
Alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.

Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.

Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre após esta ansiedade imensa
uma porta fechada
e mais nada?

Fernanda de Castro, in "Asa do Espaço"



...como é possível a descrença, imaginar, sequer, que ao fim da Estrada, se encontre após esta ansiedade imensa, uma porta fechada
e mais nada?



Aqui fica para reflexão...



sábado, 15 de outubro de 2011

Recomeço - BCFV

  E assim se fecha um ciclo... 

É o fim, ou é um recomeço? 



Perante um tema tão controverso, recorri à introdução feita pelas meninas organizadoras desta B.C. (Rute, Gina e Rosélia):
« O que esperar após a Morte? O vazio, o nada, o descanso eterno? Julgamento, punição pelos pecados cometidos ou glória, prémio pelas boas acções? Deus e o Diabo existem, Paraíso e Purgatório? Há quem diga que quer no Céu, quer no Inferno, café expresso haverá sempre! Ficamos torcendo para que George Clooney também!
Por falar nisso, esperam encontrar almas familiares, amadas, conhecidas? Esperam que lhes seja dada nova oportunidade de voltar a este plano, de corrigir, aperfeiçoar?
Onde atingir a plenitude, cá ou lá, para além do que os nossos 5 sentidos permitem assimilar?
Podemos dizer que é reconfortante crer na vida além da morte. Tranquiliza-nos crer que não é o fim do caminho, traz sentido ao absurdo que é sofrer e lutar sem nenhum propósito.
Mito? Realidade? Mentira? Verdade?  »

Gostava muito de ter respostas para tantas perguntas, mas não creio que alguém as tenha. Pode haver crenças, suposições, mas certezas não. Claro que quem acredita acha que tem as respostas, mas eu sou (ou tornei-me) muito céptica. As dúvidas são mais que muitas, os questionamentos são constantes. Em princípio acredito em outras vidas, mas não é uma crença totalmente firme, muitas vezes dou por mim a pôr isso (como muitas outras coisas) em causa. 

Pegando no texto acima, concordo que é extremamente reconfortante pensar
que a vida "não é só isto",
que não faz sentido tanto esforço para tão pouco tempo,
que aqui estamos a sofrer, neste "vale de lágrimas", e depois é que vamos para o céu... e por aí fora...  (Peço desculpa a quem tem convicções religiosas mais firmes do que as minhas, isto não é uma crítica a quem acredita, longe de mim, quem me dera ser mais crente, até porque essa crença  apazigua a alma.)
Mas... essa é uma ideia que pode ser perniciosa, porque pode tornar-se um sedativo para a realidade: "agora está tudo a correr mal, mas na próxima vida será diferente". Eu própria digo muitas vezes, se bem que em tom de brincadeira, «na próxima encarnação não vou querer isto ou aquilo, na próxima encarnação vou fazer isto e aquilo de maneira totalmente diferente».  Confesso que a ideia é sedutora, principalmente para quem, como eu, tem tantos "arrependimentos". Que consolo pensar «para a próxima vou fazer tudo bem!» Mas isto é como um daqueles medicamentos que nos impedem de sentir a dor, mas não eliminam a causa da doença...  

Como não me ocorrem as palavras certas, deixo aqui este poema que me parece ser  um bom contributo para esta reflexão. 


Vida Sempre 

Entre a vida e a morte há apenas
o simples fenómeno
de uma subtil transformação. A morte
não é morte da vida.
A morte não é inação, inutilidade.
A morte é apenas a face obscura,
mínima, em gestação
de uma viagem que não cessa de ser. Aventura
prolongada
desde o porão do tempo. Projectando-se
nas naves inconcebíveis do futuro.

A morte não é morte da vida: apenas
novas formas de vida. Nova
utilidade. Outro papel a desempenhar
no palco velocíssimo do mundo. Novo ser-se (comércio
do pó) e não se pertencer.
Nova claridade, respiração, naufrágio
na máquina incomparável do universo.

Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita"


E, como não podia deixar de ser, o meu poeta preferido:

 PROMESSA 

Não desanimes por me veres ao lado
Triste como um ribeiro que secou.
Isto passa, 
Podes ter a certeza. 
Basta o degelo começar... 
O poeta é uma graça
da natureza:
Há-de sempre cantar.
Arranja pois as jarras da alegria,
E vai sorrindo já dos meus desleixos...
Eu volto a rolar seixos
Qualquer dia. 

 MIGUEL TORGA, Díário V

 Renovação de estados de espírito, renovação da Vida... 


Renovo também os meus agradecimentos às 3 RRR,

foi uma experiência muito enriquecedora! Obrigada, meninas. 



 ***
Para concluir,  devo dizer que se o café expresso está garantido, estou muitíssimo mais descansada. Até prescindo do Clooney, contento-me com o café.  :))

quinta-feira, 13 de outubro de 2011


Mais uma batalha, mas não nos damos por vencidos. Tal como Santa Marta, havemos de matar o dragão!

sábado, 8 de outubro de 2011

Mãe (em casa, finalmente)



Aproveitando para agradecer a Deus, 
às forças boas do Universo, 
a todas as pessoas que incansavelmente se preocuparam com a saúde da minha mãe, e que de uma forma ou de outra mostraram a sua solidariedade, 
informo que ela já se encontra em casa. 
Não totalmente restabelecida, mas muito melhor do que suspeitávamos inicialmente, dado o quadro: enfarte e ligeiro AVC. 
Esperando agora que tudo se encaminhe no sentido da melhoria do seu estado geral de saúde, continuo a contar com os vossos pensamentos positivos. Muito obrigada.